sábado, 12 de março de 2011

Contrução do eu social


A adaptação às normas consideradas socialmente éticas faz parte do processo evolutivo, iniciado na primeira infância. Segundo THIERS, o sujeito social vive dois momentos de nascimento: o nascimento biológico e o nascimento social. Este último é considerado o primeiro acesso à sua condição de adulto e à sua entrada na cultura. Assim, uma boa integração e um bom relacionamento entre pais e filhos são imprescindíveis nessas primeiras etapas da vida.

Cabe aos pais e, de maneira especial, à mãe ou àquele que faça essa função modificar os impulsos primários e narcisistas da criança, a fim de transformá-los em hábitos e normas de comportamentos socialmente aceitos. Mas, para que isso aconteça , é preciso agir com amor e firmeza.

A criança precisa dos parâmetros dos adultos, mesmo que não os entenda. Ainda não está na fase de formular respostas complexas. É extremamente difícil dosar, na medida certa, disciplina e tolerância de forma a produzir o efeito desejado, porque é preciso levar em consideração não apenas as normas gerais de educação, mas as diferenças individuais. Segundo Freud, "romper com vínculos familiares, sair de grupos fechados e entrar em grupos maiores é o que permite ao sujeito ser social".

Nas relações afetivas bem estruturadas, não se perde o outro simplesmente por desagradar-lhe. Não será por estabelecer limites para nossos filhos que vamos perdê-los. Isso não corresponde ao que temos visto na prática da vida familiar, da clínica e da escola.

Pessoas que se esquivam de dar às crianças limites, com receio de perder o seu afeto, estão, de fato, provocando danos para a educação, pelo fato de negar-lhes referenciais necessários e tranquilizadores; além disso, estão, ainda, contribuindo para aumentar as resistências à aceitação dos limites, dos desafios do cotidiano. A hipersolicitude dos pais, somada à falta de não e ao excesso de sim, impossibilita o surgimento da disciplina, da gratidão, da religiosidade e da cidadania. É fazendo laço social que a criança se confronta com seus limites e possibilidades, e essa superação permite a sua entrada na cultura e, até, a formação de sociedades, a vivência em coletividade.

A saída da ordem familiar para o ingresso nas formas mais amplas de vivência social exprime o modo de compreender a estruturação da criança regida pela lei paterna. Sabe-se que a autoridade e a lei se materializam para a criança, no espaço social, através da incorporação de normas estabelecidas, veiculadas por meio de organismos sociais específicos.

Se a criança aprende, desde pequena, a ter disciplina e a cuidar das pessoas ou do ambiente em que vive, ela irá adquirir autonomia. Assim se conquista a liberdade. Disciplina nada mais é do que uma capacidade organizacional para resolver bem as questões do dia a dia.

Autonomia não significa o mesmo que individualismo ou liberdade para fazer o que se quer; significa coordenar os diferentes fatores relevantes, para agir da melhor maneira. Assim, não existe um momento específico para se trabalhar a educação moral, a disciplina. Estas serão adquiridas pela criança durante sua convivência diária, desde pequena, com o adulto, com seus pares, com as situações escolares.

Desde pequena, a criança precisa ir aprendendo as normas de convivência. Ela precisa aprender que seu desejo não é lei; que ela não pode fazer o que quiser, pois, do contrário, não saberá conviver com pessoas que têm pontos de vista e hábitos diferentes do dela. Esses limites servem de parâmetros para os relacionamentos que se estabelecem; garantem a justiça e auxiliam a cooperação e a convivência, preparando-a para viver um mundo real.

A troca de ideias e as argumentações que ocorrem através do diálogo auxiliam a descentralização da criança e fazem com que ela vá percebendo os diferentes pontos de vista, ampliando seu modo de perceber o mundo. O mais construtivo é colocar o problema para a criança, de forma descritiva, de maneira que ela apresente as propostas de resolução, num exercício de reflexão.

Muitas vezes, precisamos de fatos tristes para refletirmos sobre a necessidade de realizarmos mudanças na maneira como estamos educando nossas crianças, que estão se transformando em pequenos ditadores, voltados à satisfação de seu desejos mais primários, de forma individualista.

Sob quaisquer condições, é preciso dar às crianças limites, explicando-lhes as razões lógicas, mesmo sem esperar que elas aceitem. Será apenas a introdução à extensa caminhada da maturação pessoal. Não esperemos das crianças a perfeição. Nem de nós. Uma coisa é certa: uma criança sem limites se torna ansiosa, exigente, supersolícita, porque fica sem referencial para suas ações.

É difícil para uma pessoa que não aprendeu a lidar com os limites estabelecer relações interpessoais harmoniosas. A ausência de limites cria indisposições em qualquer relacionamento, invade, inibe e rechaça as pessoas do convívio com as outras. As pessoas sem limites são alvo da rejeição e da indiferença dos outros ou têm de se confrontar com a agressão das que se sentem invadidas, agredidas e desrespeitadas.

Por mais difícil e incômodo que seja dar limites aos nossos filhos, trata-se de uma ação necessária e estruturante para lhes dar condições de desenvolvimento saudável nas relações com as pessoas e com o mundo. Dessa forma, proporcionaremos os melhores instrumentos para a integração das crianças no convívio social.

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