quarta-feira, 9 de março de 2011

Amigos e as diferenças




Como sabemos, a adolescência é considerada um processo de transição para a vida adulta, embora já não se viva num corpo de criança, tampouco se experimenta a liberdade dos mais velhos. Seus desafios são colocados diariamente à prova: questionamento de valores, desvinculação afetiva das figuras parentais, busca pelos amigos, apego aos bens de consumo, dentre outros.

Durante esse período, é em contato com o outro-social (com os pais-familiares e posteriormente com amigos e colegas), que se dá a própria formação da identidade, perpassada por fatores econômicos, sociais, educacionais, políticos e culturais (Ozella, 2003). Nesse processo, autores argumentam que o adolescente deixa um pouco de lado a família, sem abandoná-la completamente, para iniciar relações extrafamiliares. Essas relações talvez sejam um dos aspectos mais notórios da adolescência, pois através delas é possível ao jovem a amplificação e diversificação de sua rede de relações sociais.

O grupo de amizade assume, assim, significativo valor, com o qual o adolescente estabelece, a princípio, uma relação baseada na intimidade e na homogeneidade, marcada pela confiança e reciprocidade; com relações horizontais igualitárias (diferindo das relações hierárquicas costumeiramente presentes na relação com os pais), nas quais se desenrolam possíveis discussões sobre, por exemplo, namoro, drogas, estudos e amizade; e o questionamento de regras e valores familiares para futura reformulação dos seus. A amizade apresenta com isso, um leque de exploração do campo social, possibilitando a vivência de experiências diversas que ajudarão o adolescente no processo de construção de sua identidade.

Como marcas de homogeneidade do grupo de amizades, a origem social semelhante, valores, jeitos e gostos em comum aproximam cada vez mais meninos e meninas nesse caminho. Contextualizando culturalmente essa perspectiva da amizade como relação com o "igual", para Rezende (2002) tal idéia condiz com o ideal Ocidental Moderno, cujas relações tendem a ser fechadas, invariáveis (no sentido de compartilhamento de opiniões, crenças, por exemplo), caracterizadas pelo conformismo e pela não abertura ao diferente.

Dessa forma, o relacionamento com o diferente se torna cada vez mais distante e pouco usual. O perigo é que muitas vezes crescem e sustentam-se práticas de intolerância frente ao outro/diferente, mesmo quando esse é do seu meio de amizades.

Portanto, para os adolescentes, porém não somente para estes, muitas vezes pensar na figura do diferente remete a inquietações, angústias de não aceitação e de atribuição de desigualdades, como já dito anteriormente, a desigualdade que exclui.

A demarcação do que é legitimado pelo grupo constrói subjetividades, enfatiza e reafirma estereotipias, e produz práticas que reproduzem as desigualdades intergrupais. Essas estereotipias na maioria das vezes se cristalizam em rótulos, com isso já não se lida mais com pessoas, mas sim com sua aparência, com a idéia a qual se remete. E nessa construção da subjetividade, o diferente assume o papel da referência contrária, pois se afirma uma identidade em oposição à figura da diferença.
Hausson (1998) nos lembra que é esse um dos maiores parâmetros de nossa civilização e de seu mal-estar: localizar a margem e constituir-se em oposição a ela, e tem como base o imaginário de seu país, o ideal de certo e errado, o aceito e o reprimido.

O que devemos propor é que a amizade, enquanto meio de vinculação social, seja um dos principais meios de se relacionar com o novo, com o diferente que surge ali bem perto, no seu próprio meio, no bairro, na escola, em casa; que seja ela uma forma de relação em que torna possível ao diferente integrar-se ao idêntico, sem abrir mão de sua qualidade de diferença inassimilável - e como tal fundante (Ulloa, 1998). É, pois, uma tentativa de lançar-se a um modo de ser menos individualista, abrir-se de uma relação estável do duplo, para a inquietude e estranheza da diferença que é também constitutiva da subjetividade.

A escola é um excelente ambiente para pensarmos nessa dimensão da amizade, e incentivarmos nossos alunos e filhos à ousadia de um novo percurso: o do respeito, da tolerância e aceitação das diferenças individuais dentro do seu próprio grupo de amizades. Talvez assim, possamos esperar jovens menos egoístas, mais tolerantes e abertos às perspectivas de um mundo integrado que queremos construir.

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