sexta-feira, 21 de março de 2014

Minha filha tem síndrome de Down. Há sete anos convivemos no processo do luto à luta


ANTONIO MARCELO PACHECO*

A data de 21 de março é consagrada ao dia mundial da síndrome de Down. Ingenuamente chamado de cromossomo do amor. A realidade, em muitos casos não é assim tão cor-de-rosa e branda. Esse cromossomo a mais representa uma luta constante por parte de todos os que não o têm e que são obrigados a amar, conviver, aceitar, superar e sofrer todas as dificuldades que, no dia a dia, ali, no recanto privado, se mostram tão árduas e às vezes desvelam a nossa condição tão mesquinha de amar. Minha filha tem síndrome de Down. Há sete anos convivemos no processo do luto à luta que tem momentos gloriosos, mas igualmente dolorosos e frustrantes.
Uma “pessoa especial” não pode ser medida somente por esse cromossomo 21, esse cromossomo que altera destinos, expectativas e sonhos. Os seres humanos são especiais na mesma medida em que são apenas e tão somente humanos. Nossos filhos com Down são apenas nossos filhos, nem melhores, nem piores que tantos outros filhos. Eles são humanos! Assim como todos os outros, têm os seus dias de crueldade, de fúria e de birra que nos engessam e nos aprisionam, pois é necessário socializá-los na medida em que sabemos que precisam conviver com tantos outros diferentes que nem sempre querem esta convivência apesar de externalizá-la da boca para fora, numa expectativa que frustra e fere silenciosamente. Para muitos, o simples fato de que eles são saudáveis já é motivo de máxima comemoração, mas mesmos nesses pais, em algum dia, em algum momento solitário em que o filho real dorme ou brinca ou apenas está ali silencioso em seu próprio mundo, mesmos nesses pais em algum momento escondido e negado idilicamente em tantas páginas nas redes sociais, há um gosto amargo, uma solidão irrenunciável, vergonhosa em admitir o desafio de amar aquele ser que representa tudo o que o amor pode vir a ser: um filho.
Contudo, o que nos faz sofrer são os elogios, os convites nunca cumpridos e que somos obrigados a entender quando apenas queremos chorar essas promessas vazias de que nossos filhos recebem apenas certa dose de tolerância que não nos deixa perceber em que medida alguém pode ser tão especial assim se consegue na mesma medida ser tão facilmente esquecido. Por favor, não digam que minha filha é especial, vivam com e nela as mesmas condições que são permitidas em todos os outros filhos comuns, sem que esse cromossomo 21 a afaste da vida que a celebra na medida em que a isola. Neste dia 21 de março, celebramos um pouco de nossa própria consciência, um pouco de nossa própria humanidade regada, lá no fundo, por uma solidão, uma frustração e uma dor que é resultado da esperança de que possamos encontrar a redenção em alguma sociedade na qual o preconceito, mesmo educado, finalmente desapareça, como o luto pelo filho ideal possa apenas ser amor ao filho real.