sexta-feira, 18 de julho de 2014

"O que a memória ama, fica eterno"

"O que a memória ama, fica eterno"

(Texto também publicado no jornal "A Folha de São Carlos", edição 13.723, 12 e 13/10/2012, pág 02)

 Quando eu era pequena, não entendia o choro solto de minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro.
 O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.
 O tempo passou e hoje me emociono diante das mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.

 É que a memória é contrária ao tempo. Nós temos pressa, mas é preciso aprender que a memória obedece ao próprio compasso e traz de volta o que realmente importou, eternizando momentos. 

 Crianças têm o tempo a seu favor e a memória muito recente. Para elas, um filme é só uma animação; uma música, só uma melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.

 Diante do tempo envelhecemos, nossos filhos crescem, muita gente se despede. Porém, para a memória ainda somos jovens, atletas, amantes insaciáveis. Nossos filhos são nossas crianças, os amigos estão perto, nossos pais ainda são nossos heróis. 

 A frase do título é de Adélia Prado: "O que a memória ama, fica eterno". Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos dentro da gente. 
 Quando nos damos conta, nossos baús secretos_  porque a memória é dada a segredos _ estão recheados daquilo que amamos, do que deixou saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.

 Um dia você liga o rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já fez parte de você _  foi a trilha sonora de um amor, embalou os sonhos de uma época ou selou uma amizade verdadeira  _ e mesmo que os anos tenham se passado, alguma parte de você se perde no tempo e lembra alguém, um momento ou uma história.

 Ao reencontrar amigos da juventude nos esquecemos que somos adultos e voltamos a nos comportar como meninos cheios de inocência, amor e coragem.

 Do mesmo modo, perto de nossos pais seremos sempre "as crianças", não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Para eles a lembrança da casa cheia, das brigas entre irmãos, das histórias contadas ao cair da noite... serão sempre recentes, pois têm vocação de eternidade.

 Por isso é tão difícil despedir-se de um amor ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas. 
 Dizem que o tempo cura tudo, mas talvez ele só tire a dor do centro das atenções. Ele acalma os sentidos, apara as arestas, coloca um band-aid na ferida. Mas aquilo que amamos tem disposição para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando. 
 Somos a soma de nossos afetos, e aquilo que nos tocou pode ser facilmente reativado por novos gatilhos _ uma canção cala nossos sentidos; um cheiro nos paralisa lembrando alguém; um sabor nos remete à infância.

  Assim também permanecemos memórias vivas na vida de nossos filhos, cônjuges, ex amores, amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.




 






quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um jogo de futebol

Num jogo de futebol, você entra pra ganhar ou pra perder. Perdemos feio, foi vergonhoso, um vexame, o Brasil se perdeu em campo… Mas é preciso saber lidar com isso. Felipão poderia ter escolhido duas possibilidades: jogar na retranca, e não teria sido uma derrota destas - provavelmente teríamos perdido, mas não teria sido este vexame. Porém, todos nós hoje estaríamos comentando: “Perdemos porque não foi ofensivo, perdemos porque não foi corajoso…”. Ele foi corajoso, e é o que determina essa Copa, ser ofensivo, mas não tinha defesa pra segurar aquela ofensividade. Teve que mudar um time em função da saída do Neymar e especialmente do Tiago Silva, que eu acho que foi a maior falta, e na hora de recompor esse time, passou a ser um time novo, como se fosse uma estreia, e o time se perdeu em campo. Isso é uma realidade, foi feio, foi vergonhoso. Agora, a grande questão é não ter a histeria da perda. A gente tem que ter maturidade pra perder: perdemos, e não temos que esquecer disso, a vergonha, a humilhação, o 7x1 - eu não consegui mais assistir o jogo depois do segundo gol, de tão horrorosa que era aquela sensação. Agora, isto é próprio de quem se coloca no jogo, quem joga está para isso. Então isso tem de representar no Brasil, maturidade. Primeiro, parar de demonizar. Porque parece que quando dá errado tem UM culpado, não é um culpado, são muitos culpados, é a historia do futebol brasileiro, é a CBF, são os cartolas, tudo ta envolvido nisso, mas não, nós vamos - e eu espero que não - preferir eleger o Felipão como carrasco e destruir a carreira, que já é fim de carreira, do mesmo cara que também nos deu uma taça. Então isso me incomoda. Eu perdi Felipão, junto com você, eu topei com você do começo ao fim tudo que você fez, eu perdi junto com cada jogador em campo, eu tô sofrendo com cada um deles que nesse momento tem que se estruturar para um novo jogo, que não pode ser uma vergonha novamente. Então eu estou com os jogadores, perdi junto com eles, perdi junto com o Felipão, a derrota é minha e é de todo brasileiro também. Agora não é hora de jogar laranja na seleção, na mesma seleção que a gente ficava gritando alegremente, temos que parar com essa histeria, perder com dignidade, juntar as dores e enfrentar, perdemos e a Alemanha ganhou. E agora vamos seguir em frente! Pra finalizar, o mais interessante, o lúdico do jogo é: a gente morre do coração por um jogo, eu mal dormi essa noite, mas tem uma hora que você lembra "gente, é só um jogo". É lúdico, é o nosso amor, nossa paixão. Mas é lúdico, a vida continua de onde sempre esteve, e é essa a dignidade que a gente tem que ter na derrota. Viviane Mosé escritora Este foi meu comentário de hoje no Liberdade de Expressão, do qual faço parte todas as manhãs na CBN.

sábado, 5 de julho de 2014

Medo de arricar

Comentando o “Se eu fosse você'' A questão da semana é o caso da internauta que, há cinco anos, foi abandonada pelo marido. O sofrimento foi tão intenso que ela agora teme aprofundar a relação com o namorado atual. A situação que viveu no casamento é semelhante a de muitas pessoas que, ao encontrar um parceiro, o transformam em única fonte de interesse. Alimentam a crença de que não ter uma relação amorosa fixa e estável com uma única pessoa significa ser incompleto, ou seja, totalmente desamparado. Na nossa cultura, somos incentivados, desde muito cedo, a acreditar que só é possível ser feliz se tivermos alguém ao nosso lado. Da mesma forma como a criança pequena se desespera com a ausência da mãe, o adulto, ao perder o objeto de amor, é invadido por uma sensação de falta e de solidão. Além disso, quando fracassa um projeto amoroso, a pessoa perde o referencial na vida e sua autoestima fica abalada. Por temer ser abandonada novamente, nossa internauta resiste a experimentar uma aproximação maior com o atual namorado. Concordo com o psicólogo italiano Willy Pasini quando diz que a intimidade exige o abandono da couraça que protege o que temos de mais íntimo: quanto mais a intimidade é compartilhada, mais o outro tem livre trânsito para as nossas coisas mais secretas. Mas só uma autoestima elevada leva a viver tal “despir-se” como oportunidade, e não como ameaça. Quem pensa que deve esconder as partes de si, que considera inconfessáveis, vive inevitavelmente a intimidade como se fosse um risco pessoal. Para Winnicott, psicanalista inglês, as pessoas com dificuldade nos contatos pessoais são indivíduos fechados numa dura couraça que protege um núcleo central inseguro e mole. Todo processo de amadurecimento pessoal consiste nessa progressiva conquista de uma cada vez maior confiança em si mesmo. Só nessas condições uma pessoa poderá baixar a guarda sem medo e transformar a couraça numa membrana periférica e permeável às trocas com os outros. E o terapeuta e escritor Roberto Freire também contribui para a reflexão sobre o fantasma do abandono vivido nesse caso. Ele não tem dúvida de que risco é sinônimo de liberdade e que o máximo de segurança é a escravidão. Freire acredita que a saída é vivermos o presente através das coisas que nos dão prazer. A questão, diz ele, é que temos medo, os riscos são grandes e nossa incompetência para a aventura nos paralisa. Entre o risco no prazer e a certeza no sofrer, acabamos sendo socialmente empurrados para a última opção. Fonte: http://reginanavarro.blogosfera.uol.com.br/2013/11/02/o-fantasma-do-abandono/