quinta-feira, 26 de maio de 2011

Relação pais e filhos: presença e ausência

A mídia traz notícias o tempo todo, num frenesi que inunda nossas mentes com todo tipo de coisas, tragédias, acidentes, conflitos, de situações corriqueiras e banais até outras de maior grandeza. Ontem, vi que uma menina de 13 anos estava desaparecida há uma semana, depois de ter saído de casa sem falar com a avó. Assisti à reportagem em que a mãe e a avó da garota estavam sentadas no sofá falando sobre a situação. A mãe mostrava um panfleto com a foto da filha e o título Desaparecida. Relataram que há tempos vinham com problemas com ela por causa do computador. Ela passava muito tempo em contato com a internet e a mãe chegou a proibir o uso. Mas a menina passou a usar o computador de amigos, vizinhos e parentes. E foi no aparelho de um tio que foi descoberta uma conversa dela com um rapaz, de onde combinaram um encontro num ponto de ônibus da cidade onde mora, no Estado do Paraná. Desde então não se tinha mais notícias da garota. Agora se soube que ela foi para a casa de um rapaz de 19 anos, um suposto namorado que ela conheceu através da internet. Ela foi denunciada pela mãe do rapaz que disse que a menina mentiu a idade, dizendo ter 17 anos.
A imagem da mãe e da avó, aflitas, num misto de medo e esperança diante de uma situação obscura provoca em mim alguns sentimentos. Como psicóloga e como mãe sinto a urgência de buscar mais consciência e luz sobre o problema. Mas qual é o problema, afinal? O que deveria ser o objeto de minha reflexão aqui? A adolescência? A relação pais e filhos? A internet e suas influências? Os sites de relacionamento? A violência sexual? Sei que qualquer que seja o caminho que tomar poderia encontrar confluências com os outros. Decidi, então, deter-me na relação pais e filhos. Nesse caminho estou envolvida diretamente, como mãe. Nos outros também estamos, embora indiretamente.
Sabemos que vem mudando o nível de presença dos pais na vida de seus filhos. O trabalho de acompanhamento do crescimento da criança, com os detalhes e as variações que existem, tem sido, em muitos casos, de responsabilidade de babás, avós ou escolas maternais, desde que a mulher conquistou seu espaço no mercado de trabalho. E a ausência física comprometeu a presença psíquica e afetiva, pois não é possível argumentar que interessa a qualidade da relação, como se tal não dependesse de certa quantidade. Partindo da compreensão de que a criança necessita de alguma presença física e algum nível afetivo associado, a medida desse investimento fica a cargo da consciência dos pais sobre a responsabilidade que adquirem quando colocam um filho no mundo.
Como a sociedade contemporânea prega a felicidade a todo custo, ter um filho, hoje, tem sido, muitas vezes, parte desse projeto, mas apenas como mais um elemento junto às outras aquisições. O filho nasce “para” os pais, então. Ele não pode, assim, atrapalhar esse projeto, com a ameaça de falência desse objetivo tão faturado pela mídia: ser feliz acima de qualquer coisa. Aliado a isso, estamos aprendendo que um filho necessita de muitas coisas para ser feliz e com isso também acabar por realizar o projeto de felicidade de seus pais. E essas coisas têm se resumido à aquisição de bens materiais, e de um modo de vida que se molda não pela vivência e aprendizagem com a experiência, mas por um estilo consumista. Sendo assim, viver passa a ser consumir bens, modas, ideias e atitudes e até sentimentos.
Nessa obsessão de realizar o projeto “quero ser feliz e nada irá me deter” os pais tornam-se cansados, exaustos por tantas providências que esse viver exige, e com isso não lhes resta a energia suficiente para o acompanhamento do filho. E é aí que entram a televisão e o computador como assistentes auxiliares para manterem a criança e o adolescente distraídos, sem problemas com tédio e pouco exigentes em relação à presença dos pais. Se tempos atrás a criança vinha perguntar: “Mãe, do que eu posso brincar?”, isso está resolvido, agora, com esses maravilhosos inventos tecnológicos.
Se a TV proporciona uma relação em que a pessoa fica basicamente passiva adquirindo informações, muitas vezes de maneira indiscriminada, a internet, essa rede mundial de computadores já traz uma sofisticação quando possibilita transpor limites e realizar contatos nunca d’antes imaginados quanto mais realizados. Trata-se de algo muito atrativo e com isso jovens têm ocupado grande parte de seu tempo livre com esses contatos.
Pais descansados, filhos livres. Como se trata de uma liberdade precoce, esta ainda não conta com a responsabilidade suficiente para acompanhá-la; uma responsabilidade que primeiro tem de ser pautada na autoridade assumida pelos pais e gradativamente transferida para os filhos. Mas é como se uma pessoa tentasse obter a oportunidade de fazer uma experiência, mas sem estar presente nela. Isso me fez lembrar justamente esse pensamento quando fiquei grávida de minha primeira filha. Quando fui chamada para o momento do parto, eu pensei: “É, não tem jeito, sou eu que tenho de ir mesmo, ninguém poderá ir por mim”. Há coisas das quais conseguimos escapar, damos um jeitinho, botamos outro em nosso lugar e pronto, passamos pela situação com a sensação de que escapamos do envolvimento mais difícil.
Ninguém poderá nascer por mim e tampouco morrer. São duas experiências muito claras, não haverá quem duvide.
De que experiências teríamos a ilusão de que não precisaríamos estar presentes e podemos, então, escapar? Vou arriscar uma: a de ser pais? Que outras?

Nenhum comentário:

Postar um comentário