quinta-feira, 26 de maio de 2011

Colo em extinção

Desconfio de que o colo esteja em extinção. Tenho ouvido muitos relatos sobre bebês, avós que contam sobre seus netinhos, mães que descrevem seus filhos. São discursos acompanhados de exclamações, surpresas, tamanha tem sido a esperteza dessas crianças.
Cada época, na civilização, constrói seus homens, suas mulheres, suas crianças, as relações entre eles. Cada época tem a sua natureza específica. Cada época, enfim, tem a civilização que merece. Também poderia dizer que esses homens, mulheres e crianças é que constroem uma época. Criador e criatura, sejam quem forem, evoluem, regridem, alternadamente, e vão buscando novas e velhas maneiras de sobreviver neste enigmático planeta.
A sociedade contemporânea vem emitindo as mensagens que representam seus desejos, sejam relativos ao tipo de ser humano que bem a refletirá, ao seu modo de vida, aos valores em vigor, aos modelos corporais aplaudidos, aos filhos que pretende conceber e até as doenças e os sintomas que precisará enfrentar.
A perfeição, a busca da perpetuação da juventude, o consumismo desenfreado, a felicidade como meta primordial, a facilitação dos processos, a morte dos ciclos e o apressamento dos andamentos, a medicalização de todos os males, a redução dos sentimentos abrindo lugar para as fortes emoções e muita diversão, os empregos entregues a leilão e as profissões se intercruzando indefinidamente, tudo isso e muito mais, vão determinando desde cedo o que esperamos do ser humano. Com tanta ansiedade, pressa e competição, que mãe quererá colocar seu bebê deitado, na posição horizontal, com iluminação baixa e ambiente tranquilo?
Relaxar? Nunca! Essa criança não pode perder tempo, senão corre o risco de ser um fracasso. Numa sociedade de tanta visibilidade e anseio por sucesso, o bebê tem de corresponder. Então ele precisa ser lindo, inteligente, precoce e rebelde. A única posição permitida é a vertical, imediatamente. A coluna vertebral, cervical, as musculaturas, o corpo se incumbirá, tão logo esse bebê nasça, de botá-lo de pé, bípede. Se ele tiver problemas de coluna, mais à frente, isso não será problema, pois próteses e chips não faltarão. Se ele tiver pânicos pela falta de uma estrutura psíquica suficiente para sustentá-lo, isso também não será problema, pois os remédios estão aí para alegrá-lo rapidamente, e os livros de autoajuda para fazê-lo sentir-se poderoso.
Pai e mãe, bem-intencionados, querem que seu filho seja parte da sociedade em que vive, claro. Se ele for a parte melhor, então, o campeão, a felicidade estará garantida. Os pais também não podem perder tempo, tempo é dinheiro, tempo é um sistema sabidamente planejado, e por isso precioso.
De forma subliminar ou até mesmo manifesta, essas mensagens vão sendo comunicadas e os bebês de hoje são por demais inteligentes para perceber o que se espera deles. “Filhinho, fique de pé, logo, que papai e mamãe ficarão muito felizes, realizados... e aliviados”.
E o colo? Essa concha aconchegante, esse gesto afetivo que acolhe fragilidades, que reconhece nossa humanidade e aquece nossa alma. Esse colo em que o bebê, pelo menos no primeiro mês após seu nascimento, aceita – com a anuência de sua mãe – descansar, na posição horizontal, nos braços de alguém. A entrega a um estado de ilusão é, bem dizia o psicanalista Winnicott, necessária para a formação gradual da autoconfiança. Trata-se da ilusão de que há, naquele momento, alguém que está cuidando para que as satisfações mais básicas desse bebê, físicas e afetivas, sejam garantidas.
Haverá lugar para ele, ainda?

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