sábado, 30 de abril de 2011

Contos de fadas



1Desde os primórdios da humanidade, contar histórias é uma atividade privilegiada na transmissão de conhecimentos e valores humanos. Essa atividade tão simples, mas tão fundamental, pode se tornar um rotina banal ou representar um momento de excepcional importância na educação das crianças.
O estudo e a discussão em torno da adequação e da validade da narrativa de contos de fadas para crianças, especialmente para crianças pequenas, vem perdurando por gerações e gerações de professores, psicólogos, psicanalistas como também entre orientadores educacionais e pedagógicos. Os artistas que trabalham em espetáculos infantis também discutem a questão, e os pais sentem-se atordoados diante da diversidade de opiniões ouvidas e da amplitude das divergências apresentadas.
Há quem seja contra e quem seja a favor dos contos de fadas. Há quem considere encantadores os mitos e as lendas, como há quem os rejeite como mórbidos e perturbadores, mas atualmente não há mais quem discuta sua importância, sua atuação decisiva na formação e no desenvolvimento do psiquismo humano.
Aqueles que combatem os contos de fadas supõem que a violência das situações que neles se apresentam habitualmente, a personificação do bem e do mal em determinadas personagens, as soluções mágicas para os problemas mais complexos e toda a tensão emocional provocada pela narrativa desses contos vão proporcionar às crianças uma visão muito negativa da realidade, um contato desnecessário com o “lado negro” do homem, talvez até uma mobilização para as pequenas e as grandes maldades que podem ser feitas com outras pessoas. Muitos acreditam que para as crianças mais sensíveis a narrativa dos contos de fadas pode provocar sofrimentos e angústias, que poderão repercutir negativamente na sua vida futura, gerando muitos medos e inseguranças.
Estamos do lado daqueles que são a favor dos contos de fadas, que acreditam no valor e na verdade que se revelam nessas histórias arcaicas, na força e na coragem que podem surgir, exatamente, pelo impacto do encontro direto com a fraqueza, o desamparo, o medo, a necessidade de luta para alcançarmos nossos objetivos.
Os acontecimentos objetivos da vida da humanidade são a nossa história. Os acontecimentos subjetivos, as vivências interiores criaram as estórias. A história fala-nos dos acontecimentos conhecidos da realidade externa, do desenrolar dos fatos que foram sendo registrados nas comunidades e que explicam, em parte, como se efetivaram as realizações culturais dos grupos humanos, como se estabeleceram os grupos étnicos, como se definiram as nações. As estórias falam-nos da realidade interior na construção das nossas culturas, de como se constituíram as estruturas psicológicas das pessoas e dos grupos humanos.
As histórias de ficção, e muito especialmente as narrativas que vêm do folclore, os mitos, as lendas, os contos de fadas, se apresentam como a maneira mais significativa que a humanidade encontrou para expressar aquelas experiências que não encontram condições de se explicar no esquema lógico-formal da narrativa intencionalmente objetiva. A ficção objetiva os fatos e as verdades que não podem ser expressos pela razão, que não são identificados pela lógica. E é por isso que as histórias são tão temidas, e é também por isso que são tão importantes.
Os contos de fadas são narrativas simbólicas extremamente simples, primitivas, capazes de transmitir experiências subjetivas complexas e vivências emocionais delicadas às pessoas mais ingênuas e às crianças. As lendas e as histórias de fadas são incluídas hoje no acervo básico da literatura infantil porque as crianças se apossaram delas, enquanto o público mais sofisticado as considerava uma literatura de menor significado.
1Há alguns aspectos bem interessantes a considerar quando pretendemos nos deter na reflexão e no estudo dos contos de fadas. Em primeiro lugar, o fato de que eles falam sempre de relacionamentos humanos primitivos e por isso exprimem sentimentos muito arcaicos do psiquismo humano. Mas porque arcaicos não deixam de ser atuais, talvez até extremamente atraentes e instigadores porque mostram o que se evita manifestar nas nossas sociedades contemporâneas: a raiva, a inveja, a mentira, também o amor, a fidelidade, a generosidade, com suas enormes conseqüências no viver humano. Nesse sentido, esses contos, como as lendas e os mitos, estão embebidos de princípios éticos universais. Outro aspecto extremamente importante a considerar é que os contos de fadas, sob múltiplas variações, apresentam sempre uma mesma estrutura e temática: falam da busca da totalidade psíquica, da plenitude do ser.
Todo conto de fadas gira em torno de um herói ou heroína que apresenta sua origem: pai, mãe, terra, cultura. O herói ou heroína vivem sempre dificuldades grandes e chegam a um momento de impasse em que alguma coisa extraordinária precisa acontecer para que haja uma solução satisfatória. Entram então em ação múltiplos poderes naturais e sobrenaturais ou mágicos, tanto do lado do bem como do lado do mal: inimigos terríveis, companheiros fiéis, personagens imbuídos de insegurança, de esperteza, de coragem, figuras transcendentes como fadas, anjos, demônios e dragões. A luta é sempre extremamente difícil, mas, ao final, faz-se a justiça, encontra-se a paz, a harmonia, vence o bom e o bem.
Todo conto de fadas constitui-se como uma “saga de herói”. No desenvolvimento da história, vai-se delineando a luta do herói que não se apresenta, inicialmente, como uma proposta em que todos os elementos da situação lhe estão naturalmente apresentados; ao contrário, no decurso da sua própria ação ele tem de descobrir os elementos que lhe faltam para compreender o processo em que está inserido e, assim, poder construir situações novas que possam vir a lhe favorecer na luta pelos seus objetivos. Nessa luta vão sempre aparecer dificuldades extraordinárias que exigirão muita disposição e astúcia para ser contornadas e vencidas – esta é a saga do herói, de cada um de nós, que, ao final, deveria ser culminada pela possibilidade de vencer todas as dificuldades. Nesse sentido, cada uma dessas estórias é um estímulo encorajador na luta da vida, em que se valorizam os princípios éticos na relação com o outro: o Mal é denunciado, e o personagem mau é castigado; o Bem é valorizado, e o personagem bom é premiado. A proposta e a realização básica são sempre de plena vitória final do bom e do Bem.
Se os contos de fada se apresentam com possibilidades de favorecer essa integração, não há como desconsiderá-los. Se a criança pode aprender, por meio deles, a identificar e a reconhecer, nos outros e em si mesma, pensamentos e sentimentos que ajudam ou atrapalham sua relação consigo mesmo e com os outros, se aprende a conviver com naturalidade com fortes elementos do inconsciente da humanidade e do seu próprio inconsciente, estaremos lhe oferecendo melhores condições para crescer e amadurecer por meio da narrativa e da reflexão dos contos de fadas.

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