sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A tirania da felicidade

A tirania da felicidade Ser feliz virou uma obrigação. Se diz que a felicidade é o objetivo maior da humanidade. Pascal Bruckner, enseaísta francês, analisa que esse fenômeno ocorreu “depois de 1968, quando se fez uma revolução em nome do prazer.” Desde então, a felicidade, “mais do que o dinheiro, é a nova ostentação dos ricos. O consenso diz que a felicidade é o objetivo maior da humanidade. Pascal Bruckner, ensaísta francês, analisa que esse fenômeno ocorreu “depois de 1968, quando se fez uma revolução em nome do prazer.” Desde então, a felicidade, “mais do que o dinheiro, é a nova ostentação dos ricos”. Eles estão na mídia e exibem seus carros de luxo, sua vida amorosa extraordinária, seu sucesso social, financeiro ou mesmo moral, quando colaboram com instituições beneficentes. “A felicidade é o objetivo da busca eterna e universal que vem ocupando a mente humana desde os primórdios da criação. As pessoas podem diferir em suas perspectivas políticas e religiosas, filosofias de vida, perfis psicológicos, cultura e raça, mas todos, sem exceção, querem ser felizes. A felicidade é a meta do pobre e do rico, do erudito e do ignorante, do santo e do pecador, do ateu e do crente, do ascético e do indulgente. É por causa da felicidade que aspirantes espirituais oram, trapaceiros trapaceiam, açambarcam caridosos entregam-se à caridade, bêbados bebem, ladrões roubam e penitentes se arrependem. Almejando felicidade uns se casam, outros se divorciam, alguns cometem suicídio e outros se tornam homicidas. E, no entanto, a perseguição à felicidade resulta numa tentativa caótica, absurda, infrutífera. Ninguém tem certeza de como alcançá-la. Nenhum ramo de estudo nos trouxe qualquer conhecimento a respeito do segredo da felicidade. A religião enfatiza a salvação e a filosofia, a busca da verdade. Os moralistas falam a respeito do dever e os psicólogos nos pedem que enfrentemos e convivamos com a infelicidade. Os cientistas pouco se importam com nossos sentimentos e os economistas dão valor tão-somente à riqueza e prosperidade. Nenhum deles se dedica ao problema da felicidade. Em busca da felicidade as pessoas freqüentemente se comportam de forma estranha. Alguns ficam felizes quando os outros estão felizes, alguns são felizes quando os outros são infelizes e existem até mesmo aqueles que são felizes quando eles próprios são infelizes. Uns têm esperança de comprar a felicidade enquanto outros há que tentam usurpá-la do próximo. Há aqueles que buscam alcançar a felicidade através do domínio, pelo poder; outros, no apego às coisas. Desta forma, estamos todos, constantemente, perseguindo a felicidade ao invés de sermos felizes. “Não admira, portanto, que nasçamos chorando, vivamos nos lamuriando e morramos frustrados.” A sociedade contemporânea vive à luz de um único mandamento: “Serás feliz”, que traduzido é “buscarás estar satisfeito com tudo o tempo todo”. Este único mandamento se decompõe em três outros sub-mandamentos. #1 Eliminarás todo sofrimento Will Ferguson, em seu romance ‘Ser Feliz’, denuncia a insensatez de uma sociedade feliz, sem contradições e contrariedades. Conta a história de Edwin De Valu, que edita um best-seller de auto-ajuda e alastra uma praga devastadora pela humanidade: a felicidade. O romance é um primor, que desmascara esta mitologia da realização pessoal e advoga a necessidade de aprendermos a conviver com a incompletude e imperfeições inescapáveis à condição humana. Com um humor impar, Ferguson diz que “se, um dia, alguém escrevesse um livro de auto-ajuda que realmente funcionasse, que sanasse nossos infortúnios e eliminasse nossos maus hábitos, os resultados seriam catastróficos”. #2 Satisfarás todos os teus desejos Por esta razão Oscar Wilde diz que “neste mundo só há duas tragédias – uma é não se conseguir o que se quer, a outra é conseguir”. Shopenhauer disse a mesma coisa de outra maneira: “A vida oscila pois, como um pêndulo, da direita para a esquerda, do sofrimento ao tédio”. André Conte-Sponville esclarece: “sofrimento porque desejo o que não tenho e sofro esta falta; tédio porque tenho o que, por conseguinte, já não desejo”. Viver para satisfazer desejos é uma tolice tão grande quanto enxugar gelo. #3 Realizarás o pleno potencial Kant [filósofo, 1724-1804] usa uma idéia de felicidade como a estrela polar que, “para o navegante, é só a referência. Ele não quer chegar à estrela polar, nem chegará. É utopia, portanto. A sabedoria não está em recusar o horizonte e se aquietar, mas em saber que você é um ser de busca, e não de encontro.” Concluindo: O primeiro passo, portanto, na direção da felicidade é o desmascaramento da felicidade conforme proposta pela sociedade contemporânea. Nas palavras atribuídas a Mário Quintana, a escolha de uma “felicidade realista”, como ele mesmo descreveu: “A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos”. Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica e uma temporada num spa cinco estrelas. E quanto ao amor? Ah, o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar a luz de velas de segunda a domingo, queremos ser felizes assim e não de outro jeito. É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Ter um parceiro constante, pode ou não, ser sinônimo de felicidade. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com um parceiro, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio. Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um jogo onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo. Faça o que for necessário para ser feliz. Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade. Ela transmite paz e não sentimentos fortes, que nos atormentam e provocam inquietude no nosso coração. “Isso pode ser alegria, paixão, entusiasmo, mas não felicidade”.

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