segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O valor de cada coisa


Emerson Aguiar

Um clipe vermelho. Esse foi o preço do aluguel, por um ano, de uma enorme e confortável casa em Phoenix, no estado norte-americano do Arizona, pago por um jovem canadense de 26 anos, chamado Kyle McDonald.

Tudo começou em julho de 2005, quando Kyle pôs um anúncio em uma página na Internet para trocar um simples clipe para papel por um outro objeto qualquer. Não demorou muito até que as propostas começassem a chegar. Primeiro foi uma caneta em forma de peixe, depois uma figura de cerâmica de gosto muito duvidoso, seguida de um kit para piquenique, após isso foi um gerador elétrico, logo um barril de cerveja, a seguir uma moto de neve, que antecedeu uma passagem de ida e volta para Yahk, que foi sucedida pelo oferecimento de uma caminhonete publicitária e, depois, pela oferta de um contrato de cantor de um grupo de rock até que, finalmente, veio a proposta do aluguel da casa, por um ano, aceita de imediato por Kyle. A sua iniciativa lhe deu fama internacional e agora ele oferece broches exclusivos, em forma de clipes vermelhos, para todo jornalista que lhe enviar a cópia de um artigo publicado sobre ele.

Aparte de ser um gênio do marketing on-line, o jovem canadense descobriu que o valor das coisas materiais é extremamente relativo.

Para a economia, é o mercado que regula, segundo as suas leis, o valor de cada produto, de cada bem e serviço. Contudo, esse critério objetivo de cotação de preços, supostamente regido pelas leis da oferta e da procura, não serve para ditar o valor absoluto de cada coisa. Utilizei o advérbio “supostamente” porque as chamadas “regras de mercado”, muitas vezes, obedecem a conveniências meramente políticas, nas quais o mais forte impõe a sua própria razão sobre as razoes de ordem puramente econômica.

Antes da “globalização” ditar os seus critérios de importância ao mundo inteiro, a parafernália de eletrodomésticos, que integra o presente ideal de felicidade, pareceria um amontoado de lixo inútil para os habitantes de muitas regiões do planeta. Contudo, depois que “conforto” e “praticidade” se transformaram em dois termos sacralizados no altar da mídia, dificilmente se encontrará alguém que não se sinta seduzido pelos sensuais atributos de uma máquina de lavar ou de uma geladeira. Ora, é claro que nada disso é ruim em si mesmo. Pelo contrário, a minha máquina de lavar me permite ter tempo de escrever algumas linhas a mais neste texto. O péssimo é que esses objetos sejam promovidos a critérios de felicidade, ou seja, a fins em si mesmos. Pessoas que vivem, praticamente, para trabalhar e consumir tendem a enxergar os bens que adquiriram como partes de si próprias, ou seja, convertem-se em ciborgues consumistas, que todo ano têm de atualizar os seus componentes à maneira de um computador, caso contrário se sentirão obsoletas.

O homem é mais livre na medida em que é mais desapegado de tudo aquilo quanto estima “materialmente”. É mais rico também, pois não se sente possuidor de nada. Tem o maior tesouro nele próprio: o desapego. Enxerga os objetos que lhe servem como empréstimos que, quando se vão, é porque deles não mais necessita. Diz-se que há certos monges budistas que só possuem aquilo que podem carregar consigo. E eles não têm trailers, apenas um alforje. Vejam: se fôssemos um caracol, nós morreríamos esmagados pelo peso da nossa própria casa. Não estou fazendo propaganda do minimalismo, a escola arquitetônica que considero como a mais elegante, mas, de fato, podemos mesmo viver sem muito daquilo que consideramos como “indispensável”, porque o que é verdadeiramente importante vai sempre conosco. Não precisamos de muito, portanto. E isso, por si só, já significa que somos ricos.

O essencial não pode ser subtraído, o supérfluo sim. Que ladrão pode roubar o talento de alguém? E o caráter? E a fé? E a boa vontade? Então: o que é o essencial? O que é o supérfluo? Não é difícil responder.

Vivemos numa sociedade em que a ambição é muito valorizada. O problema é que a coisa ambicionada sempre foge do ambicioso. Daí ele sempre se sentir pobre, ansioso e incompleto, mesmo que tenha acumulado muito. Sempre acredita que ainda lhe falta muitíssimo mais. Ao contrário disso, numa sociedade menos doente, em vez de se prestigiar tanto a ambição, valorizar-se-ia a “missão”. Quando sabemos que temos um propósito maior em nossa existência do que simplesmente colecionar eletrodomésticos, vamos em busca dos recursos necessários para viabilizá-lo. Recursos de conhecimento e, também, recursos materiais, é verdade, mas que só têm sentido em função daquilo que inspira a nossa vida. E é exatamente isso que faz toda a diferença. Trata-se de uma lógica inversa à da ambição, que resulta sempre em “ânsia” e “falta”. Quando nos sentindo cumprindo uma missão, sentimo-nos contentes, pois estamos satisfeitos em ser aquilo que somos. Não mais necessitamos, portanto, de complementos para “ser”. Vemos as coisas como elas são e não as desejamos mais do que merecem.

Talvez por isso acho tão verdadeiras as palavras de Silesius: “Quando o rico fala tanto da sua pobreza, crê nele. De fato ele não está mentindo.'


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