terça-feira, 19 de agosto de 2014

O segredo da “melhor” idade

O segredo da “melhor” idade Quando queremos dar o bote, a criatura não quer experiência. Quer barriguinha de tanque WALCYR CARRASCO Estou farto de ouvir que não importa a idade, e sim o espírito. Há uma grande vantagem após os 60: entrar nas filas preferenciais de aeroportos, bancos etc. Aliás, nem sempre. Muitas dessas filas demoram mais que as comuns, justamente porque os aquinhoados pela tal melhor idade, como eu, às vezes se tornam lentos e confusos, como também já devo estar me tornando. Uma vantagem extra é pegar ônibus gratuitamente, embora muitos motoristas acelerem e passem do ponto, quando contemplam alguém remotamente idoso. Certamente, o espírito conta. Eu mesmo já escrevi que a gente chega aos 60 com o coração de 18. Mas exagerei um pouco. Numa rave, dá para encontrar um bando de sessentões, ou mais velhos? Existe propaganda de xampu com senhoras além dos 60 – a não ser que seja do tipo que dá brilho a cabelos tingidos? Claro, a idade tem vantagens. A maior delas é a experiência. Que se torna quase inútil quando a gente quer dar o bote em alguém mais jovem. A criatura em questão não procura experiência, mas barriguinha de tanque. O maior orgulho de quem envelhece é ser confundido com alguém de menor idade. Meu sonho é ser barrado na fila preferencial do aeroporto e ter de mostrar a identidade. Algumas pessoas gentis dizem que não aparento meus 62. Esperançosamente, pergunto: – Quanto pareço? – Ah, uns 59. Nada contra envelhecer. Gostei de chegar à idade que tenho, de viver as experiências que vivi e de ainda ter fôlego para algumas inéditas. Irrita o esforço da sociedade para exaltar a juventude e, em consequência, tentar me convencer de que velhice não existe, que é... como é mesmo? Ah, sim, uma questão de espírito! Amigos que jogavam futebol botam próteses nos joelhos. Um deles teve de trocar até o quadril. Foi passar o Ano-Novo na minha casa da praia. Quis pular as sete ondinhas. Ele foi também. Ainda aconselhei: – Cuidado, você acaba de operar a perna. – Tá tudo bem – respondeu, corajosamente. Pulou as ondinhas, e a outra perna estropiou-se. Agora precisa operar também. Se tivesse 20 anos, isso teria acontecido? No passado, era mais fácil envelhecer, porque os casamentos duravam, e ex-apaixonados se tornavam companheiros de vida, cuidavam de filhos, netos, sobrinhos. Hoje, um dos dois se cansa dos resmungos conjugais, do mau humor inerente a todo casamento bem-sucedido. Separam-se e voltam ao mercado. Se isso aconteceu com você ou alguém próximo, é preciso ter em mente que só terá sucesso como fetiche. Não é qualquer um que se interessará por sua figura fora de forma. Só alguém com fetiche em quem tem mais idade. Para sorte do povo geriátrico, há garotões loucos por mulheres mais velhas, beldades de 20 anos apaixonadas por sessentões – ou pelo barco deles, mas, a certa altura da vida, é melhor fechar os olhos e ser um pouco cínico. A velhice não é a melhor idade. A mais divertida sem dúvida é a juventude, anterior aos compromissos da vida. Mas pode ser boa. Principalmente para quem não se engana. Eis a opção: ou se escolhe ficar com o rosto igual a uma uva-passa, ou se faz plástica, se põe Botox, preenchimento. Aconselho a usar o que a medicina oferece. Plástica não rejuvenesce de verdade. Você apenas fica com a cara de uma sessentona plastificada. Repuxada. Desde que ainda possa fechar os olhos, é melhor do que deixar as rugas chegar, pois elas não funcionam nem como fetiche. Preenchimento nos lábios pode deixá-la igual a um peixe-boi. E Botox em todos os lugares realmente necessários manterá seus olhos arregalados e impedirá qualquer expressão de alegria e tristeza. Mesmo que você ganhe na Mega Sena, conseguirá no máximo arquear levemente a sobrancelha para demonstrar sua felicidade. Sei que parte da categoria médica se rebelará contra essas frases. Mas toda festa do Oscar me prova que não há solução. Antigos ídolos de Hollywood que dispõem de milhões de dólares para se retocar – e ganhariam mais ainda se conseguissem –, quando são homenageados, parecem saídos de um filme de terror, com a cara esticada a ponto de perder a voz. Se nem eles conseguem, por que eu conseguiria? Prefiro não fingir. Estou envelhecendo. Genética, por melhor que seja, não faz milagre. A vida ainda pode ser boa assim. Pelo menos, a experiência e a sabedoria tão faladas ajudam a adquirir certa paz. Não mentir para si mesmo, esse é o segredo da melhor idade.

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